Se Deus é bom, por que pessoas vão para o inferno?

É um erro encarar Deus como uma pessoa que, como que de repente, aparece na história e se intromete em nossas vidas, impondo leis que desconsideram a diversidade de culturas e ameaçando de jogar no inferno quem não às segue.

Para um católico é necessário saber explicar e entender sua fé, e ao se deparar com algum questionamento de um terceiro ou de sua própria consciência, justificar o que sustenta sua fidelidade à Deus. Para podermos entender melhor o assunto abordado, precisamos estabelecer algumas informações importantes. Seguiremos os seguintes tópicos para nossa jornada até a resposta:

Sobre o Bem

Comecemos por tratar o bem e todas as outras virtudes não como subjetivas, mas como objetivas. Este passo será necessário para fugirmos da ideia de que o bem e o mal são noções relativas, ou meros conceitos e categorias criados por humanos e para humanos.

Tomemos a verdade, por exemplo. Se tentarmos afirmar que a verdade não existe ou não é absoluta, perdemos a habilidade de afirmar que qualquer coisa é verdadeira ou que os entes verdadeiros possuem grau de qualidade maior do que os falsas. Por consequência, a afirmação “a verdade não é absoluta” não pode ser tomada como verdade absoluta, pois entraria em contradição.

Sobre a bondade e justiça de Deus

se encontra nas coisas algo mais ou menos bom, mais ou menos verdadeiro, mais ou menos nobre, etc… Ora, mais e menos se dizem de coisas diversas, conforme elas se aproximam diferentemente daquilo que é em si o máximo

Santo Tomás de Aquino

Deus é bom? Se o bem existe em diferentes graus, umas coisas melhores do que outras, há de se inferir que existe um bem absoluto que serve de referência para tudo que é bom. Como podemos, por exemplo, definir qual tom de cinza é mais claro? Para isso, é preciso estabelecer que “mais claro” refere-se a algo que se aproxima do claro absoluto, isto é, o branco.

Da mesma forma, algo é mais perfeito (tem mais bem) quando se aproxima do bem absoluto e é menos perfeito quando se afasta desse absoluto. Este Ser de grau de perfeição absoluto é Deus, que é a causa primeira de todas as coisas. Deus é bom, mas as implicações destas observações são muito mais profundas: Ele é o bem, e é a fonte de todo o bem.

Como podemos constatar observando o nosso comportamento, um vício chama outros vícios, e uma virtude chama outras virtudes. Isso ocorre por que as virtudes estão relacionadas entre si e partem da mesma fonte. A justiça, por exemplo é boa. Se um juiz condena uma pessoa de forma injusta, não há como afirmar que ele é um bom juiz, pois para ser bom, ele precisa ser justo. Como Deus é o bem absoluto, Ele não pode ser mal e logicamente não pode ser injusto. Indo além, se Ele é o bem absoluto, necessariamente deve ser a justiça absoluta.

Sobre a natureza do homem

O que nós somos? O homem é o intermediário entre as criaturas mais elementares, como os minerais, plantas e animais, e os mais perfeitos como os Anjos e Deus. O homem é detentor de um corpo (matéria) e alma (forma).

O que é a alma? Imaginemos um triângulo. O conceito do triangulo não é material, apesar de podermos ver no mundo várias manifestações matérias de triângulos. A diferença é que um objeto na forma de triângulo como um esquadro podem ser criadas e destruídas, enquanto a definição matemática de um triângulo permanece eternamente e imutavelmente a mesma: três arestas e três vértices conectados, com a soma dos ângulos internos sempre igual a 180º. Neste caso fica fácil de distinguir o que é matéria e o que é forma no sentido filosófico.

Cada homem possui uma alma e um corpo exclusivos para si, cada qual se influenciam mutuamente. Com o corpo, o homem experiencia o mundo através dos sentidos e das vontades (paixões), da mesma forma que os animais. Já com a alma, o ser humano é capaz de realizar algo que nenhum outro animal consegue: perceber e reagir à própria consciência através da razão. Com o uso da razão, o homem é capaz de entender o mundo e as verdades mais elevadas. O comportamento dos animais é inteiramente ditado pela sua natureza e o ambiente em que se inserem. O ser humano também é suscetível a esta influência, mas possui a capacidade de livremente agir contra a própria natureza e voluntariamente se afastar/aproximar do bem, segundo suas paixões ou razão.

Sobre o pecado e o inferno

Se o homem possui alma e razão, podendo através dela chegar às verdades elevadas, existem ocasiões em que ele precisará escolher um bem maior em detrimento de uma paixão. Quando o ser humano se utiliza de seu livre arbítrio para deliberadamente e conscientemente se afastar do bem, ele peca.

Sabendo que Deus é o bem em essência, que sendo o bem, também é a justiça, o amor, a beleza e todas as virtudes, e que é possível tornar-se mais/menos próximo a Ele, podemos nos questionar como seria o lugar mais afastado de todos os bens, onde nada de bom pode ser encontrado. Este lugar, o mais afastado de Deus, é o inferno. Lá nenhuma virtude pode ser encontrada.

Sobre as leis de Deus

Voltando à primeira afirmação deste post: É um erro encarar Deus como uma pessoa que, como que de repente, aparece na história e se intromete em nossas vidas, impondo leis e ameaçando de jogar no inferno quem não às segue. Com os conhecimentos acima, se torna mais fácil derrubar esta ideia deturpada.

Por que Deus nos impôs leis? Ora, se em uma praia há uma placa proibindo a entrada na água devido a ataques de tubarões, ela está lá para te alertar sobre uma ação que te levará à morte. Neste caso, a placa não está lá como uma lei inconveniente, de um burocrata que não quer que você seja livre para se divertir na praia, muito menos como uma sugestão de conduta de seguimento opcional, mas sim como uma relação direta de causa e efeito: entre na água e morrerás. No fim das contas, condena-se a si próprio quem entra na água, pouco importando se o condenado se considera ou não amigo de quem lá colocou a placa.

Da mesma forma, os mandamentos são as leis que te impedem de se afastar do bem e voluntariamente se tornar mau. Eles te servirão de guia para se manter na direção correta, te impedindo de cometer um mal que destrua a sua caridade e amizade com Deus.

Sobre a salvação

No céu não há pecado. Lá, só entra o que é bom. Graças ao pecado original, a humanidade tem uma grande tendência ao mal. Muitas vezes, temos que lutar contra as vontades mais intensas para nos mantermos em bons termos com Deus e não nos afastarmos d’Ele, mas ocasionalmente praticando o mal. Que mérito temos para merecer um lugar ao lado de Deus? A resposta é simples: não temos. Entretanto, Aquele que possui todos os méritos nos forneceu os meios para alcançarmos a glória ao Seu lado, ao mesmo tempo nos ensinando como lidar com os sofrimentos que podem surgir dessa busca.

Como Deus é pessoal, é possível para nós pedirmos à Ele o que precisamos para alcançar o que naturalmente não conseguimos. Por ser infinitamente amor, Ele se agrada em ver sua criatura deliberadamente escolher amá-Lo apesar das agonias e tentações. Entretanto, sendo justo, não colocará ao seu lado aquele que não quis alcança-lo.

Tomemos Judas como exemplo: após trair Jesus, viesse ele a se confessar a qualquer um dos apóstolos, com verdadeiro arrependimento, lhe seria perdoado o pecado pois Deus é infinitamente amoroso. Mas ele não o fez. Escolheu o mal até o fim e foi condenado, pois Deus é infinitamente justo.

Sobre a pergunta do post

Se Deus é bom, por que pessoas vão para o inferno? A bondade de Deus está em nos oferecer os meios de alcançarmos o que não merecemos. Mas por ser justo nada pode fazer por aqueles que escolhem se afastar d’Ele e se condenam por conta própria ao afastamento eterno, seja por orgulho ou arrogância em não aceitar com humildade as direções de um Pai Amoroso que quer direcionar seus filhos para perto d’Ele.

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